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DA POSSIBILIDADE DO DANO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA

Publicado em 01/01/1970

THE POSSIBILITY OF MORAL DAMAGE IN FAMILY LAW

Janete Festi

 

Para se conceituar o dano moral eleva-se o pensamento de Fischer em Reparação dos Danos em Direito Civil, que diz: dano moral é aquele “que alguém sofre em sua alma” .

 

Resumo
O objetivo deste artigo é discorrer sobre o cabimento da responsabilidade civil nas ações da vara da família, sendo possível o julgamento uno pelo magistrado da vara especializada, principalmente pela aplicação do princípio da celeridade processual, já que não se tramitará 02 (dois) processos simultâneos, um na vara de família e outro no cível residual, onde dois processos com conteúdos similares acabam submetidos à interpretações de juízes diversos, fazendo com que se arrastem por anos e anos, ampliando ainda mais o sofrimento das partes com problemática tão delicada que envolvem sentimentos de abandono, desprezo, rejeição e perda afetiva.
Palavras-chaves: Responsabilidade civil, dano moral, direito de família.

Abstract/Resumen/Résumé

The purpose of this article is to discuss the liability of civil servants in the actions of the family, and it is possible to judge one by the specialized court magistrate, mainly by applying the principle of procedural speed, since no two (2) , One in the family and the other in the residual civil, where two processes with similar contents end up submitted to the interpretations of several judges, causing them to drag on for years and years, further increasing the suffering of the parties with such delicate problems that involve feelings Of abandonment, contempt, rejection, and affective loss.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Civil liability, moral damages, family law.

1. INTRODUÇÃO

Ha 10 anos atrás o entendimento jurídico era de que o filho que tinha o reconhecimento de paternidade tardio, muito embora existisse o vínculo biológico, só manteria a relação de parentesco após o seu reconhecimento o que não gerava dano moral por abandono material e intelectual. Para os julgadores, o abandono, as mágoas e o desamparo seriam condenáveis somente no campo ético, cabendo somente à consciência e a ética do causador, já a indenização com valores monetários para ressarcir e reparar os danos seria incabíveis pois o parentesco não existia anteriormente ao reconhecimento.
Pesquisando em diversas literaturas sobre dano moral afetivo, observa-se que os doutrinadores até uns anos atrás não enfocavam o tema; Severiano Ignacio de Aragão, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não abordou o assunto quando publicou o livro O Dano Moral na Prática Forense, pela editora Idéia Jurídica, em 1998.
Da mesma forma o professor Humberto Theodoro Júnior, ao escrever sobre dano moral na 4ª edição de seu livro publicada em 2001, tratou sobre temas de grande atualidade no campo da indenização do dano moral, mas também não tratou do dano moral pelo abandono afetivo .
Mas quando em 1997, através da mídia, veio à tona a notícia de que a Câmara Legislativa do Distrito Federal rejeitou, por 12 votos a 8, a concessão de título honorífico de Cidadão de Brasília ao Ministro dos Esportes Edson Arantes do Nascimento, por ter se negado a reconhecer a paternidade de sua filha Sandra Regina Machado, que teve o sobrenome Arantes do Nascimento acrescentado a sua certidão de nascimento por decisão da justiça no ano de 1996 , demonstrando que a atitude estava totalmente incompatível com a atualidade , mas também ligado ao mesmo caso, vê-se que o causídico defensor de Sandra já reivindicava indenização por danos morais sob a alegação de abandono afetivo, no entanto, a 8ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista ao julgar entendeu que Sandra só passou a ser filha de Pelé a partir do trânsito em julgado da ação de paternidade. Para os desembargadores, antes disso não existia filiação reconhecida e, assim, não tinha como o ex-jogador descumprir quaisquer deveres inerentes à condição de pai.
Como fundamento a 8ª Câmara alegou que Sandra não foi reconhecida voluntariamente pelo pai biológico e que obteve a confirmação da paternidade de forma “forçada”, além disso, para a configuração da responsabilidade civil por omissão, seria necessário a pré-existência do dever jurídico de praticar determinado fato.
A evolução do conceito de dano moral fortaleceu a tese por abandono afetivo e, consequentemente, inúmeras divergências interpretativas sob o manto de que “amor não se compra”, no entanto vemos uma forte e crescente mudança com a afirmativa de que amor não se compra mas o sofrimento psicológico, a rejeição e o reflexo da ausência do pai faz marcas profundas na vida e na personalidade da pessoa e, sem dúvida, é passível de indenização.
Resta saber se os assuntos são similares, vinculados e compatíveis para que um único julgador analise a investigação, o reconhecimento e a responsabilização civil da paternidade. A Vara de família é competente para julgar relações interfamiliares e pedido como o dano moral proveniente do vínculo de parentesco? O fato de um único juiz analisar e julgar o vínculo de parentesco e reparação dos danos agilizaria o processo? Seria mais eficiente?
É o que se pretende demonstrar.

2. RELATO DE CASO CONCRETO

Consta que por volta de 1976, F.S. envolveu-se com uma jovem de 15 anos, menina do interior da Bahia, inocente, pobre e apaixonada pelo primeiro amor, entregou-se de corpo e alma àquele que imaginava construir uma família o que resultou em uma gravidez não planejada. Ao saber da gestação F.S. desapareceu deixando a menor jogada à própria sorte. O filho nasceu em situação de pobreza extrema e sofreu junto com a mãe toda espécie de restrição, discriminação, sentiu fome e frio; com 02 ano de idade ficou órfão de mãe e passou a ser criado pela tia já casada e com 03 filhos menores. Sem entender o porquê percebia que seus pais o tratavam diferente dos “outros irmãos”, até que já com 15 anos conheceu a verdadeira história de sua vida, descobrindo que seu pai na verdade era seu tio. Dor, tristeza, depressão, sentimento de abandono. Era como se tivesse vivido somente metade de sua vida, a outra estava ainda coberta por uma escuridão desconhecida. Vários anos mais tarde, descobriu que seu verdadeiro pai era um homem muito rico, fazendeiro, cujos filhos formados tinham padrões de vida altíssimos e ele: um simples balconista de loja.
Após localizar o paradeiro do pai, já maior de idade, entrou com ação de reconhecimento de paternidade cumulada com indenização por abandono afetivo. O juiz da vara de família ao proferir o despacho inicial indeferiu o pedido de dano moral alegando incompetência, então paralelamente entrou com ação de indenização e reparação de danos no cível residual, sendo assim, cada um dos processos tiveram tramitações diferentes, provas documentais, testemunhais e perícia psicológica igualmente independentes. Dois processos caminhando lentamente com todos os recursos possíveis já se pode ter uma ideia do tempo e do caminho que percorreram e da angústia sem fim que então o já adulto e desiludo suportou.
Por fim, foi reconhecida a paternidade, mas a reparação pelo abandono afetivo não; hoje, conhecedor de que seu pai nunca se interessará por ele a sensação é que aumentou ainda mais o sentimento de abandono.
O caso exposto vem demonstrar o quanto é penoso e traumático o fato de ter que passar duplamente por situações correlatas e que acabam por discutir os mesmos assuntos totalmente interligados.

3. DOS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS

Vale relembrar que o Código Civil de 1916 trazia explícito e categoricamente no Art. 358 que “Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos”, mais tarde, por meio do Decreto Lei nº 4737/1942 tal dispositivo fora alterado prescrevendo no Art. 1º que o pai só poderia reconhecer o filho gerado de forma adúltera após se desquitar da esposa legítima, ou seja, só ocorreria o reconhecimento se houvesse a dissolução da sociedade conjugal , fato que para a época era quase impossível de acontecer visto que a sociedade era machista e a mulher extremamente submissa ao marido guardando zelo aos filhos, ao cônjuge e à casa.
Em 1949 entrou em vigor a Lei 883, que estabeleceu o entendimento de que era possível o reconhecimento de filho adulterino em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal (desquite, morte…), ampliando os direitos dos filhos havidos fora do matrimônio, bem como, reafirmando o dever do pai em proceder ao reconhecimento, revogando assim, o Decreto Lei 4737/42 anteriormente mencionado.
Mister se faz aduzir, que em 1988 entrou em vigor a atual Constituição Federal que resgata a dignidade da ascendência brasileira, que por sua supremacia e respeito, em seu Art. 227, § 6º, positiva com clareza e evidência que todos os filhos, “adulterino” ou “incestuoso” podem ser reconhecidos sem qualquer restrição .
Para Carlos Roberto Gonçalves a Constituição Federal de 1988, com o intuito de reformular a ideia de respeito, estabelecido no art. 1º, III, preconiza que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X). Assim, a lei Maior vem fortalecer a noção dignidade da pessoa humana, assegurando a todo o indivíduo a reparação por parte de quem não venha respeitar o que está disposto na lei.
O abandono, a indiferença e a falta de afeto, oriundos de um comportamento extremamente frio, cruel e covarde que não reconhecendo a paternidade e lhe proporcionando segurança, zelo e cuidados deixa a criança desprovida dos sentidos de família e totalmente indefesa, favorecendo para o surgimento de um adulto vulnerável o que vai totalmente em desacordo com o elencado no § 6º do art. 227 da Carta Magna de 1988, que diz: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
É no sentido da não discriminação que Maria Helena Diniz (2002, p. 21), aborda com veemência sobre o Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos: Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos (CF, art. 227, § 6º, arts. 1.596 e 1.629), consagrado pelo nosso direito positivo, que (a) nenhuma distinção faz entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar e sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade.
Ainda em complemento ao requisito discriminação, o fato do suposto pai não ter reconhecido a paternidade do filho, fruto da relação extramatrimonial, e ter preservado os direitos e a identidade biológica dos filhos advindos da relação de casamento, é atitude discriminatória que viola, assola e desrespeita os preceitos constitucionais já elencados, bem como o estabelecido no art. 1596 do Código Civil: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adição, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (g/n)
Neste sentido, vale ressaltar que o direito do filho não deve ser frustrado ou limitado frente ao direito do pai, e que o ônus da prova é invertido em proteção daquele, como expressa a Súmula 301 do STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

 

 

4. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO

O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo e imprescritível, já com relação ao dano moral envolverá o sofrimento ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio da afetividade.

Já a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo) é necessário evidenciar a responsabilidade civil estabelecida no Art. 186 do Código Civil Brasileiro que estabelece: “Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. ”
Quanto a prescrição vê-se que em se tratando de tratando-se de ação de reparação por ato ilícito, o prazo prescricional incidente é o de 3 anos, previsto no art. 206, § 3º, V do Código Civil. Quando o Requerente é menor a prescrição fica suspensa até completar a maioridade.
No entanto, há que se repensar no sentido de que ao atingir a maioridade não eliminará o dano sofrido, uma vez que este estará incrustado no âmago do ser humano e o mal causado terá reflexo por toda sua vida.
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, “que priva do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana”. (TJMG. Proc. 2.0000.00.408550-5/00, Rel. Des. UNIAS SILVA, j. 1.4.2004).
Assim, as dificuldades recorrentes do abandono, da rejeição, da falta de afeto e desamparo sofridas, resta claro a ilicitude praticada pela ação ou omissão do causador do dano, evidenciando assim o direito à indenizar.
É o que retrata o julgado do Tribunal de Minas Gerais, em processo relatado pelo Desembargador Caetano Lagrasta, reconhecendo o dano moral, inclusive com condenação pela discriminação em face dos meio-irmãos. (Apelação com revisão 5119034700, TJSP, Rel. Des. CAETANO LAGRASTA, j. 12.8.2008);
Além disso, a recusa do pai ao reconhecimento voluntário do filho havido ou não fora do matrimônio também pode ensejar a ocorrência de danos morais e até mesmo materiais ressarcíeis .

Como nota Rolf Mandaleno, “ninguém poderá afirmar, em sã consciência, que não constitui uma especial gravidade, reprovada pela moral e pelo direito, a atitude do pai que se recusa a reconhecer espontaneamente uma filiação extramatrimonial, que resulta comprovada depois em juízo” .

Por muito tempo, o direito fez admitir e proteger a rejeição da paternidade à filiação espúria (adulterina e incestuosa) . Verdadeiro véu legal da libertinagem, tal proteção representava uma verdadeira “inimputabilidade civil” da paternidade espúria.

Dessa forma, o direito era legitimador da exclusão daqueles filhos.

Porém, como afirma Luiz Edson Fachin: “Do resguardo absoluto da vida íntima da família legítima, passou-se a dar vez ao direito que deve assistir o filho, qualquer que seja o estado em que foi concebido”.

Igualmente em 1995 Carlos Alberto Ghersi, já mencionava em sua obra: Teoria General de la Reparación de Danos, uma decisão argentina que diz o seguinte: “Corresponde la indemnización dei dano moral provocado por la omisión de reconocer ai hijo extramatrimonial, si el padre demandado no produjo prueba para justificar su omisión, ni argumentó nada que permita dejar deiado el desmedro a Ias justas afecciones causado ai hijo que se vio privado de contar com el apellido paterno y que, en ei ámbito de Ias relaciones humanas, no fue considerado como hijo de su progenitor.El dano moral no requiere prueba, pues se demuestra com Ia verificación de Ia tituiaridad dei derecho lesionado en cabeza dei reclamante y la omisión anti-jurídica dei demandado. Para determinar Ia procedencia de ia indeminización de dano moral, la falta de malicia o culpabilidad evidente en nada inciden, pues su naturaleza es eminentemente resarcitoria y no punitiva”.(CNCiv, Sala L, 23/12/94, ‘B., O. N. c/M., O. O).

Corroborando com o anseio na busca pelo direito ao ressarcimento pelos danos causados à personalidade do requerente, vale citar ilustríssimo autor Pedro Lenza (2011, p. 888), que diz:
Os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, (ou seja vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, imagem, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social).
Também é necessário evidenciar a sábias palavras de BASTOS (2008). Ela entende que no caso do dano decorrente do abandono afetivo, a lesão, é antes de tudo, um dano à personalidade do indivíduo. (BASTOS, Eliene Ferreira. SOUSA, Asiel Henrique de. Família e Jurisdição II. Belo Horizonte – MG, Editora Del Rey, 2008).
Ressalta-se que é imprescindível o elo baseado no afeto entre pais, filhos e família para a harmonização e plenitude do ato de viver. Elo este que não só forma, mas transforma e torna mais digna a vida do ser humano.
O afeto, pode se dizer que seja o elo de sentimento que une pessoas e como tal foi valorizado, este passa a ser visto como fundamento para nova hipótese de responsabilidade civil, como pode-se observar do acórdão proferido pela 7ª Turma Cível do tribunal de Alçada de Minas Gerais (extinto) em apelação para julgar indenização de danos morais em relação de parentesco: “A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana”. (Apelação nº 0408550-5, acórdão proferido em 01/04/04).
Contudo, vale citar as sábias palavras de Miranda: Sem dúvidas, é na família que se tem a primeira visão do mundo, das obrigações como cidadão, do respeito por si e pelos outros. As experiências que se tem no núcleo familiar definem o modo como a pessoa irá conviver na sociedade, isto é, os principais conceitos do ser nascem primeiro na família para depois ganhar a sociedade de modo que a personalidade da vida adulta depende dos primeiros anos de vida da pessoa. Essas orientações e experiências ganham especial relevo na relação entre pais e filhos, em razão da proximidade do vínculo existente.
Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, Presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), mesmo tendo ocorrido, o abandono material não é o pior, mesmo porque o Direito tenta remediar essa falta por meio de outras regularizações, oferecendo alguns mecanismos de cobrança e sanção aos pais que abandonam sua prole. O Código Penal, por exemplo, tipifica como crime o abandono material e intelectual (Arts. 244/246) e a lei civil estabelece pena de penhora e/ou prisão para os devedores de pensão alimentícia. Segundo ele, o mais grave é o abandono psíquico e afetivo.
“O mais grave é mesmo o abandono psíquico e afetivo, a não-presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção. ” (Artigo publicado em 10/11/2003 no www.pontojuridico.com acessado em 04/12/2016).
A ausência do pai, e dessa imagem paterna, em decorrência de um abandono material e/ou psíquico, tem gerado graves consequências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais na vida adulta.
É no sentido de evidenciar que a falta do afeto acarreta negativamente na personalidade da criança e este reflete substancialmente pelo resto de sua vida que o direito ao reconhecimento da paternidade é garantido também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente justamente por entender que é crucial para a criança conhecer sua filiação. O psicanalista Sérgio Nick, autor do ensaio Dano moral e a Falta do Pai, fez uma pesquisa e constatou que, os filhos abandonados pelo pai têm dificuldade de lidar com sentimentos gerados por este abandono, tornando-se crianças depressivas, com sentimento de baixa auto-estima, além de gerar sentimentos de ódio e de inveja de difícil manejo. “Saber quem é o pai, conhecê-lo e conviver com ele é parte integrante e fundamental da construção de sua identidade pessoal”.
Veja, por exemplo, a ação de indenização por danos morais ajuizada por filho em face de genitor, com alegação de abandono afetivo e material, eis que fruto de relacionamento extraconjugal, havendo o reconhecimento da paternidade tardio, com diluição de bens. Comprovação do relacionamento do réu com a genitora do autor. A responsabilidade da paternidade vai além do meramente material, implicando em procurar moldar no caráter dos filhos os valores e princípios que lhes farão enveredar pela vida, cônscios da necessidade da prática do bem, que norteará sua busca pela felicidade e pautará a conduta dos mesmos nos anos vindouros, seja no lado emocional, seja no lado profissional e igualmente no lado espiritual, vez que a religião corrobora para aprimorar o caráter. Abandono afetivo e material configurados. Dano moral comprovado… Apelo do réu Improvido, apelo do autor parcialmente provido. (TJ-SP – APL: 00057805420108260103 SP 0005780-54.2010.8.26.0103, Relator: Ramon Mateo Júnior, Data de Julgamento: 14/05/2014, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/05/2014)
Mas a questão ligada ao dano moral não fica atrelada somente a investigação de paternidade, recentemente o programa dominical “Fantástico” da emissora Rede Globo, abordou a questão judicial de um pai pleiteando danos morais contra a mãe de sua filha, por aquela ter omitido-lhe a paternidade o que fez com que ele deixasse de conviver com sua filha por vários anos.

Diferente de outro caso onde a mulher que simulou uma gravidez foi condenada a indenização por dano moral, como se verifica da seguinte decisão citada por Yussef Said Cahali: 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, apel. 272.221-112, 10.10.1996: A atitude da ré, sem dúvida alguma, constitui uma agressão à dignidade pessoal do autor, ofensa que constitui dano moral, que exige a compensação indenizatória pelo gravame sofrido. De fato, dano moral, como é sabido, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade, cujo conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa. Não se pode negar que a atitude da ré que difundiu, por motivos escusos, um estado de gravidez inexistente, provocou um agravo moral que requer reparação, com perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos do autor, alcançando, desta forma, os direitos da personalidade agasalhados nos inc. V e X do art. 5° da CF.

5. DA POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

Em análise ao pedido de Conflito de Competência nº 0184269-63.2012.8.26.0000, onde o suscitante, o Mui Meritíssimo Juiz de Direito da 1ª vara de família e sucessões e o suscitado o Mui Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª vara cível da Comarca de São José dos Campos, em ação de indenização por abandono afetivo, ajuizada por filho reconhecido judicialmente em face do genitor.
Segue o voto nº 32.608:
Conflito negativo de competência. Ação de indenização por abandono afetivo, ajuizada por filho reconhecido judicialmente em face do genitor. Imputação de ilícito que guarda relação com o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Matéria de fundo relativa ao Direito de Família. Conflito julgado procedente para declarar competente o Juízo Suscitante.

“Trata-se de conflito negativo de competência, originado de ação de responsabilidade civil, suscitado pelo MM. Juiz da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São José dos Campos em face do MM. Juiz da 2ª Vara Cível da mesma Comarca. Sustenta o Juízo Suscitante que a competência para processar e julgar a ação de indenização é da Vara Cível, com base em precedente desta Colenda Câmara Especial, posto que se trata de demanda reparatória, de cunho meramente patrimonial, não elencada no rol taxativo do art. 37, do Decreto-Lei nº 3/69.
O Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça é pela declaração da competência do juízo cível, ora suscitado (fls 38/39).
Este é o relatório.
Por não concordar nenhum dos Juízes com a competência para processar a ação, nos termos do art. 115, inciso II, do Código de Processo Civil, está configurado o conflito negativo de competência. Respeitado o entendimento do MM. Juiz da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São José dos Campos, certo é que não poderia ter declinado da competência.
A competência das Varas Especializadas estabelece-se em função da matéria. Nos termos do art. 37, do Código Judiciário Paulista:
“Artigo 37. – Aos Juízes das Varas da Família e Sucessões compete:
I – processar e julgar:
a) as ações relativas a estado, inclusive alimentos e sucessões, seus acessórios e incidentes;
b) os inventários, arrolamentos e partilhas, bem como a divisão geodésica das terras partilhadas e a demarcação dos quinhões.
II – conhecer e decidir as questões relativas a:
a) capacidade, pátrio poder, tutela e curatela, inclusive prestação de contas;
b) bens de incapazes;
c) registro e cumprimento de testamentos e codicilos;
d) arrecadação de herança jacente, bens de ausentes e vagos;
e) suprimento de idade e consentimento, inclusive outorga marital e uxória;
f) vínculos, usufruto e fideicomisso;
g) adoção e legitimação adotiva, ressalvados os casos de competência das Varas de Menores;
h) fundações instituídas por particulares e sua administração” (sublinhei).

Assim, sempre com a devida vênia a entendimento diverso, salvo melhor juízo, a hipótese de responsabilidade civil discutida na ação está prevista no inciso II, alínea a, do art. 37 supra, o qual fixou a competência da Vara da Família para conhecer e decidir questões envolvendo o poder familiar, sucedâneo do pátrio poder a partir da vigência do Código Civil publicado em 2.002. Esse entendimento coaduna-se com o espírito de especialização das Varas, voltado à divisão de trabalho e ao aperfeiçoamento do magistrado em matéria específica, de modo a atribuir ao julgador afeito ao enfrentamento das questões de família a decisão sobre eventual descumprimento de dever ou inobservância de função parental. O tema discutido na ação insere-se no direito de família. Sobre o abandono afetivo de filho, PAULO LOBO preleciona:
“A questão é relevante, tendo em conta a natureza jurídica dos deveres jurídicos do pai para com o filho, o alcance do princípio jurídico da afetividade e a natureza laica do Estado de Direito, que não pode obrigar o amor ou afeto às pessoas”, concluindo “Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade” (…) “Por isso, seria possível considerar a possibilidade da responsabilidade civil, para quem descumpre o múnus inerente ao poder familiar” (Famílias, Saraiva, 2008, p. 283 e 285). A jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, é firme no sentido de situar o abandono afetivo no âmbito do direito de família, valendo conferir: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia -de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas
hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido” (sublinhei) (REsp 1159242, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, RSTJ 226/435); e
APELAÇÃO – Indenização Dano moral – Abandono afetivo – Filha em face de seu pai – Possibilidade, em tese, desde que caracterizada violação aos deveres extrapatrimoniais inerentes ao poder familiar, causando traumas expressivos e sofrimento intenso ao filho. Hipótese dos autos que, contudo, não enseja a condenação do réu ao pagamento de indenização à autora Ação de indenização ajuizada somente após o reconhecimento judicial da filiação Ação de investigação de paternidade ajuizada quando a autora já contava com 28 anos de idade Impossibilidade de imputar ao réu indenização por abandono afetivo decorrente da violação dos deveres extrapatrimoniais inerentes ao poder familiar quando o demandado sequer sabia da existência de vínculo de parentesco entre as partes Decisão reformada Recurso Provido (sublinhei) (TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 9094157-31.2008.8.26.0000, Rel. Egidio Giacoia, j. 29/05/2012).

Assim, envolvendo a causa questões relativas ao poder familiar, de natureza específica do direito de família, de rigor o reconhecimento da competência da Vara especializada para apreciar e julgar a demanda. E mais não é preciso afirmar para o julgamento deste conflito de competência, declarando-se a competência do juízo suscitante, da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São José dos Campos. Pelo exposto é que se julga procedente o conflito e se declara competente o juízo suscitante, da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São José dos Campos, para apreciar e julgar a demanda. (Silveira Paulilo, Presidente Da Seção De Direito Privado, Relator. Assinatura Eletrônica)”

Portanto, não há porque separar os pedidos, tendo em vista os danos morais estarem totalmente ligados ao pedido de investigação de paternidade e/ou outros com base no processamento e julgamento de competência da Vara de Família em assuntos ligados à capacidade, pátrio poder, tutela e curatela, inclusive prestação de contas.

Sobre essa questão, Antonio Jeová Santos, salienta: Nada obsta, portanto, que o filho, na ânsia de procurar que o pai o reconheça, postule a investigação de paternidade cumulando o pedido com a indenização por dano moral. O impacto social originado pelo tratamento de inferioridade dado a alguém, motivado pela sua condição ao nascer, é discriminatório, arbitrário e, portanto, causa desequilíbrio ao bem estar psicofisico .
Ressalta-se, ainda, que a ação de investigação de paternidade é meramente declaratória e não obsta o decurso do prazo prescricional para a ação indenizatória bem como demais pretensões decorrentes do vínculo de paternidade.
Tanto é assim, que há possibilidade de cumulação de pedido de alimentos com a ação de investigação de paternidade, e o mesmo poderia ter sido feito com o pedido de indenização por danos morais pelo abandono afetivo e material.
O Estado não pode se eximir de aplicar as condutas sancionatórias cabíveis para reprimir condutas desabonadoras praticadas por quem tem o dever da paternidade, e ao mesmo tempo, não pode deixar de amparar a vítima pelo dano sofrido, acolhendo o ideal de indenização como possibilidade material para que a vítima busque recursos técnicos que ajude a minorar os danos psicológicos que cerca. Portanto, só o simples ato de evitar a morosidade processual já amenizará em muito referidos danos.
Corroborando com o assunto Gagliano e Pamplona Filho acrescenta: Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a perda do poder familiar, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor. (GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Direito de Família, Volume VI. 1ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 737).
Por fim, vale ressaltar voto da Ministra Nancy Andrighi, quando julgou Recurso Especial 1.159.242 – SP (2009/0193701-9), que trouxe reflexão profunda sobre o tema de indenização no direito de família. Reconheceu o afeto como valor jurídico e estipulou reparação civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos. Segue, parte do voto da Ministra Nancy Andrighi: […] voto: Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever […] https://jus.com.br/artigos/22613/responsabilidade-civil-por-abandono-afetivo-decisao-do-stj/2. Acessado em: 19 de dez. 2016.
Diferente do posicionamento de que atitudes correlatas à obrigação do pátrio poder não estão interligadas ao direito à indenização pelo dano moral e que o descumprimento das obrigações parentais não geram objetivamente danos morais, negando a possibilidade de uma reparação e deixando aquele que foi rejeitado ao nascer jogado à própria sorte pelo resto da vida.
Finalizando conclui-se que não há impedimento algum para que ocorra a aplicação de regras legais relativas a responsabilidade civil no Direito de Família, pelo contrário muito se observar os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal de 1988, bem como os art. 186 e 927 do Código Civil vê-se que o dever de indenizar é tratado de forma ampla e irrestrita, não podendo, de forma retrograda, ter entendimentos opostos à sua aplicabilidade ao direito de família.
Portanto, imputar ao pai biológico ônus anterior ao reconhecimento da paternidade, de forma que se possa exigir que esse indenize pelos dissabores e privações sofridas na condição de filho em virtude de sua ausência é possível quando se discute a relação parental.